25/11/2014 - 17h15m

Aquisição de imóveis rurais por empresa nacional com participação estrangeira

Alex Hennemann 
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Imagem ilustrativa imóvel rural
Imagem ilustrativa imóvel rural

Questão ainda polêmica é a análise da legalidade do registro de propriedades rurais por empresas brasileiras com participação estrangeira. A princípio, a matéria é regulamentada pela Lei 5.709/71, que preconiza uma série de limitações às pessoas física ou jurídica estrangeiras que pretendam adquirir imóvel rural no Brasil.

Todavia, a lei nasceu sob a égide da Constituição de 1969, que nada dispunha sobre o conceito de empresa brasileira ou sociedade nacional, cabendo ao legislador ordinário estabelecer esses conceitos. Assim surgiu a Lei 5.709/71, que equiparou a pessoa jurídica brasileira com participação estrangeira à própria pessoa jurídica estrangeira, e portanto sujeita às mesmas limitações de aquisição de imóveis rurais.

Ocorre que a Constituição de 1988 erigiu à categoria constitucional o conceito de empresa nacional, ao estabelecer no artigo 171 uma diferença entre empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional, dispondo benefícios a esta última.

Enquanto vigorava o artigo 171, ora revogado pela Emenda Constitucional 06/95, a AGU (Advocacia-Geral da União) editou o Parecer AGU/LA-04/94, no qual examinou a possibilidade de empresas brasileiras com participação estrangeira adquirirem imóveis rurais. 

O parecer concluiu pela não-recepção pela Constituição de 1988 do artigo 1º, parágrafo 1º, da Lei 5.709/71, que equipara a empresa brasileira com participação estrangeira à empresa alienígena.

A AGU sustentou o parecer nos artigos 171 e 190 da Constituição. Anotou que o artigo 171, inciso I, ao prescrever que é considerada “empresa brasileira a constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no país” afastou a incidência de equiparação da empresa estrangeira à empresa nacional, quando esta, embora com sócios não-brasileiros, seja regularmente constituída sob as leis nacionais.

Por sua vez, o artigo 190, que continua vigendo, dispõe que a lei apenas poderá regular e limitar a aquisição de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira, conseqüentemente, não poderá limitar a aquisição de propriedade rural por empresa nacional que apenas detenha participação estrangeira.

Revogado o artigo 171 pela Emenda Constitucional 06/95, a AGU foi chamada novamente a se manifestar sobre o assunto, e o fez através do Parecer GQ-181. A conclusão não foi diferente do primeiro parecer, já que a revogação do artigo 171 não alterou a situação, em razão da impossibilidade de repristinação quando não expressamente autorizada.

Sobre o assunto, destaco que o instituto da não-recepção é espécie de revogação tácita da lei, já que, em virtude da hierarquia das normas, um determinado dispositivo legal infraconstitucional não pode viger se conflitar com a nova ordem constitucional.

Sendo assim, na hipótese de revogação da norma constitucional revogadora, aplica-se o artigo 2º, parágrafo 3º da Lei de Introdução ao Código Civil, que permite unicamente a repristinação expressa.

Neste caso, não obstante a Emenda Constitucional 06/95 ter retirado do âmbito constitucional o conceito de empresa nacional, a verdade é que não repristinou o parágrafo 1º do artigo 1º da Lei 5.709/71, antes revogado (não-recepcionado) pelo artigo 171, I, da Constituição, por conflito dos dispositivos.

Por outro lado, de fato o artigo 190 apenas oportuniza ao legislador ordinário a limitação de aquisição de imóveis rurais por pessoa física ou jurídica tipicamente estrangeira, e nesse ponto os demais artigos da Lei 5.709/71 atendem à ordem constitucional.

Interessante é que, atualmente, o conceito de empresa nacional é outorgado pelo artigo 1.126 do Código Civil, religiosamente o mesmo que era estipulado pelo artigo 171, I, da Constituição. Assim, seja pela tese da não-recepção do parágrafo 1º do artigo 1º da Lei 5.709/71, ou pela revogação deste mesmo artigo pelo Código Civil, já que ambos tratam da mesma matéria e este é posterior àquele, a verdade é que a Lei 5.709/71 não pode ser aplicada para regular a aquisição de imóveis rurais por empresas brasileiras.

Nessa linha de raciocínio, embora acompanhado das minhas reservas pessoais quando à aquisição descontrolada de imóveis rurais por empresas brasileiras de propriedade de estrangeiros, em especial na Amazônia Legal, estou convicto de que a Constituição pretendeu igualar as condições entre brasileiros e estrangeiros na aquisição de imóveis rurais, desde que as empresas sejam legitimamente brasileiras.

Assim, definitivamente não há qualquer proibição legal para a empresa de sócios estrangeiros, regularmente constituída no Brasil, adquirir e registrar nos respectivos Cartórios de Registro imóveis rurais, independentemente do seu tamanho, já que eventuais restrições somente podem atingir empresas ou pessoas genuinamente estrangeiras.

(Por Alex Hennemann, Advogado inscrito na OABTO sob o n. 2138, Conselheiro e Presidente da Comissão de Direito Registral e Notarial da OABTO)

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